quarta-feira, 12 de março de 2014

Viajando de trem da Áustria para a Itália

"Os trens de qualquer país contêm a parafernália essencial da respectiva cultura: trens tailandeses têm o jarro no chuveiro com o dragão laqueado na lateral, trens cingaleses têm o vagão reservado aos monges budistas, trens indianos têm uma cozinha vegetariana e seis classes, trens iranianos têm tapetes de oração, trens vietnamitas têm vidros à prova de balas na locomotiva, e todos os vagões russos têm um samovar"...

... e o trem que parte de Salzburg, na Áustria, com destino à Bologna, na Itália, mistura toda a civilidade de um país que mantém suas obras em museus, com a espontaneidade (e bagunça) de uma outra cidade que, ao invés de manter as preciosidades entre paredes, as mantém nas ruas centrais, em volta das praças e tornam cada pilar e escadaria em algo muito mais significativo que cimento e mármore.

Isso é o que eu sinto hoje. Mas quando eu peguei aquele trem, ahhhh, meu amigo... Um dos motivos é porque eu imaginava que ele ia ser muito mais barato, e acabou me custando 80 Euros. Mas fomos, porque eu e a Karine voltaríamos para Porto pelo aeroporto de Bologna.

A viagem foi feita em duas etapas: primeiro pegamos um trem em Vienna e descemos em alguma estação, que não me lembro se foi na Itália ou na Áustria, para pegar o segundo trem, o que chegaria à Bologna. O primeiro trecho da viagem foi bem tranquilo, o nosso vagão estava vazio, tínhamos comida, joguinhos... 



vinho... (se meu eu do futuro pudesse mandar um recado para algum momento do meu eu passado, seria esse: 'isso, fica aí se achando com essa garrafa de vinho porque daqui a pouco as coisas vão mudar'...)


... e uma bela paisagem

O segundo trecho da viagem não foi assim tão poético. Nosso bilhete dava direito a ficar em uma cabine que tinha capacidade para seis pessoas. Duas fileiras de bancos, cada uma com três assentos. Quando você abria eles, tinha uma espécie de cama, porque os bancos correspondentes de cada fileira se encontravam no meio do caminho.

Só que quando abrimos a cabine, um casal já estava dormindo lá - de roupa. Ou seja, duas das quase-camas já estavam ocupadas, então só sobrava mais uma, que deveria ser dividida entre eu e a Karine.

Nunca pensei que pudesse ser uma contorcionista, até a hora em que me dei conta de como estava deitada. De algum jeito conseguimos nos arrumar ali e começamos a conversar em inglês com a moça do casal. Uns cinco minutos depois ela conta que era brasileira, de Florianópolis, e que estava morando com o namorado italiano em uma cidade próxima à Bologna. Ela tinha estudado jornalismo na faculdade e meio que largado o curso pela metade para tentar descobrir o que queria lá na Itália. 

Os dois tinham ido para uma rave na Eslováquia, passar o fim de semana, e aquela era a viagem de volta. Parecia mesmo pela cara abatida dos dois. Ficamos quietos por um tempo e logo apareceu um fiscal para ver os nossos bilhetes. Em vários trens na Europa ninguém vai pedir para você mostrar o bilhete antes de embarcar, ou mesmo passar por uma roleta. Mas durante a viagem, sempre aparece um fiscal, a não ser que você tenha muita sorte. 

Bem, quando nosso fiscal do trem apareceu, tivemos que mostrar nosso bilhete, deu tudo certo. Mas  o casal teve algum problema com os bilhetes deles e tiveram que pagar 7 euros para regularizar. Quando a moça abriu a bolsa... se eu tinha alguma dúvida de que eles tinham ido para uma rave no final de semana, isso desapareceu. Não vi nada do que tinha dentro, mas o cheiro que saiu foi o cheiro típico de malas/bolsas/mochilas que estão viajando por muito tempo... e que já passaram por muitos tipos de transportes, matos e apoios.

Enquanto ela remexia lá dentro para encontrar a carteira, eu e a Karine nos entreolhamos e pensamos: calma aí. Assim que eles pagaram, voltamos a dormir. Chegando em Bologna, começamos a nos arrumar para sair da cabine e esperar perto da porta pela parada. Tivemos que - cuidadosamente - passar por cima do casal, pisando onde eles não estivessem deitados, porque eles estavam bem encostados na saída da cabine. Pisando fora, um novo mundo se erguia. 

No corredor, ao lado da nossa porta um homem negro estava sentado no chão cortando as unhas dos pés. Ele olhou para cima e deu um sorriso amistoso. Ele estava sentado no chão e, mesmo assim, continuava muito alto! Fiquei me perguntando se talvez ele estaria sentado assim porque não tinha cabine e não coubesse no trem se ficasse de pé. Vai saber. Essa é uma foto que me arrependo de não ter tirado. Porque, geralmente nessas situações, achamos que não vamos querer lembrar do perrengue, da dor que o torcicolo te deu porque você dormiu toda torta, e do papo esquisito com gente X que conheceu. Mas essa é na verdade é uma das histórias que eu mais gosto. Acho que se eu tivesse estado sozinha, sem a Karine, acharia que ela nem aconteceu do jeito que me lembro, mas ainda bem que tem alguém para confirmar minha versão, hehe. 

Aqui embaixo é a estação de trem Bologna Centrale, assim que saímos dela. Nosso vôo era só no período da tarde, então ficamos sussa, até dormimos na praça...





Ah, a frase no começo do post é do livro "O Grande Bazar Ferroviário - de Trem Pela Ásia", do Paul Theroux. Para quem gosta de livros de narrativa de viagem, esse é um clássico. Eu comprei o meu pela Estante Virtual, porque aparecia esgotado na maioria das lojas que procurei. 
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