Qualquer pessoa que mantém o hábito saudável de sair à
noite com uma certa frequência, em algum momento, acaba conhecendo famosas
figuras dos bares e das ruas. Não falo de atrizes, cantores ou socialites,
porque estes, é claro, são famosos de noite e de dia, e se quer precisam sair
de casa para serem notados. Eu me refiro mesmo, é àquelas pessoas que todo
mundo sempre vê quando sai. Pode ser o tio que cuida dos carros e toda vez fica
no mesmo lugar. Você sabe que ele vai ficar bêbado a noite inteira, mas mesmo
assim, acaba deixando o carro alí, noite após noite, e dá uns troquinhos pela
integridade física do auto, e, porque, entre um 'e aí patrão' e outro 'uhhhh, a
noite foi boa hoje, hein?', você também se diverte com as pérolas que ele
solta. E imagine, se fora dos lugares já é assim, quando se encontra esse tipo
de figura dentro dos estabelecimentos, então, é uma coisa impressionante. A luz
é diferente, o álcool é tão disponível... Quem já não tem o que perder, logo,
não se preocupa em manter qualquer aparência ou cumprir protocolos.
Simplesmente assume o personagem, ou toma coragem para ser o que o dia não
deixa.
Numa dessas andanças, havia recém chegado com amigos ao
terceiro ou quarto bar da noite, eis, então, que entra uma mulher, mais para
senhora, vestindo uma saia longa e rodada, com pequenos brilhantezinhos
espalhados, uma blusa qualquer - que entre tudo, era o que menos atiçava os
olhos -, em uma mistura de cigana com italiana, ela esbravejava palavras que
escapavam à minha compreensão básica do idioma, italiano. E como num ritual,
passava e repassava o batom vermelhor que carregava, intercalando este gesto com
o de dar tapas, nem tão amistosos, em todos os homens que calhassem de estar ou
passar ao seu lado. Eles olhavam, alguns riam, outros não reagiam. Até que o
tapeado foi um dos rapazes em minha mesa. Ele só riu e comentou: "É a
Melania". Ela continuou por alí, tapeando uns, resmungando qualquer coisa
e tomando os golinhos de sua cerveja. Não demorou mais de vinte minutos, já lá
víamos ela indo para outro bar.
Nesse primeiro episódio, tomei o conhecimento da
existência dessa personalidade e, não tinha achado muito especial qualquer um
dos tapas dados, e até tentei ignorar o que acontecia ao meu redor. Isso,
porque no Brasil sempre que alguém te entretém ou fala com você enquanto está
vestido anormalmente, em seguida acha que é obrigação sua dar alguma recompensa
por aquilo, qualquer "troquinho que seja". Então, meu primeiro
pensamento foi: "Ela que não me dê tapas, pra depois ainda achar que eu
tenho que pagar 1 Euro!".
No dia seguinte, ou melhor, na noite seguinte, lá estava
eu de novo em mais um bar. Mesmo sendo um domingo à noite, o lugar estava cheio
e eu me sentia sortuda por ter uma mesa e dividí-la com um ótimo amigo. Lembro
de ter me perguntado se todos os países onde não existe Faustão são assim,
porque por mais que o Brasil seja considerado o país da alegria, nunca antes
tinha visto tanta gente feliz assim num domingo à noite, como ví na Itália!
Bom, tudo lindo, cada um com seu copo, com sua taça ou
com sua dose, whatever! Entra "a" figura para começar o show da
noite. E eu tenho uma defesa contra essas situações, fico mentalizando
"não olha, não ri, a pessoa vai desistir!!!", mas, por obra de alguma
entidade, a Melania veio e sentou-se bem ao meu lado, onde havia uma cadeira
vazia. Eu dei aquele oizinho amarelo e fiquei alí, fingindo que não era comigo.
Até que, ela deu um tapa na bunda de um rapaz que estava com a namorada, ambos
de pé, esperando para serem atendidos no balcão. O cara virou para trás e fez
gestos para que ela se levantasse. Ela, bem despreocupada, balançava os
pezinhos, como se não estivesse alí, acho que ela estava mentalizando o mesmo
que eu, o "não olha, não ri, ele vai desistir!". Ainda assim, e até
depois de ser puxado pela namorada, continuou, macheando coisas do tipo
"Se você pode, porque eu não posso? Só porque você é mulher?". Não
demorou muito, o sujeito saiu e foi fumar um cigarrinho.
Tentei quebrar aquele clima, falei qualquer coisa pra
Melania e a gente engatou uma conversa, só não me perguntem como, pois ela falava
italiano, e só! Mas, com a ajuda do coleguinha na mesa, Pietro, fui matando a
curiosidade, perguntando da vida pessoal dela. Ela contou a ele, que depois
traduziu para mim, que havia sido casada há muito tempo atrás, mas que, depois
de pegar o marido a traindo, perdeu a cabeça e começou a fazer aquilo que
fazia. Filhos? Nenhum, e inclusive já tinha abortado duas vezes. Apesar de isso
ser legalizado na Itália desde 1978, nunca esperaria ouvir isso de alguém que conheci
há 15 minutos...
Depois de umas fotos e mais um pouco de conversa, agora
fiada, ela se levantou e foi para mais um bar. E aí, um tempo depois, me toquei
que ninguém a havia dado dinheiro, e nem ela a alguém pediu.
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Eu, Pietro e Melania no Barazzo Bar |
Bom, essa foi só uma das noites de Bologna, logo conto mais da Itália!!!
Beijos